“Dize-me quem escalas e te direi
quem és”
A seleção de cada torcedor funciona
como uma espécie de espelho. Assim, se ele escolhe um meio-campo formado por
Dunga, Galeano, Mauro Silva e César Sampaio, fica evidente que se trata de um
precavido, talvez até de um covarde. Por outro lado, se propõe um ataque com
Rivaldo, Ronaldinho e Romário, estamos na frente de um ousado, de um destemido.
Se a linha é Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, falamos com um
saudosista, e se a defesa conta com Carlos Alberto, Figueroa, Domingos da Guia
e Nílton Santos, estamos ao lado de um amante dos clássicos.
Convencido de que escalar uma
seleção seria a forma ideal de me apresentar ao leitor, pus o cérebro para
trabalhar e escolhi meus onze jogadores preferidos:
Goleiro:
Drummond
Um
grande time começa por um grande goleiro. Drummond nasceu em Itabira, mas atuou
longo tempo no Rio de Janeiro. Ele traz segurança e tranqüilidade para o resto
da equipe. É elástico e seguro, dono de um estilo que marcou época e fez
seguidores.
Lateral
direito: Bandeira
O
pernambucano merece a posição apesar dos problemas respiratórios. Lateral
direito de inegável leveza, caracteriza-se por criar jogadas aparentemente simples,
mas que só parecem tão simples porque ele faz um complexo trabalho para
descomplicá-las.
Zagueiro
central: Érico
Central
tem que ser gaúcho. Érico, além de ter nascido em Cruz Alta, é um beque
polivalente: joga com qualquer tempo – e vento. Pode atuar com aspereza e
rudeza, ou sair jogando com maleabilidade e graça. Assim como outro central,
Domingos da Guia, também possui um filho de inegável talento.
Quarto
zagueiro: Nelson Rodrigues
Essa
é uma posição onde é proibido ter falsos pudores; tem que se chutar a bola para
a arquibancada e, se preciso for, deixar o inimigo estatelado no chão com
fratura exposta. É o caso de Rodrigues, um jogador de moral polêmica. Alguns
críticos mais ácidos dizem que ele cai muito pela direita, mas trata-se de um defeito
menor que suas qualidades.
Lateral-esquerdo:
Vieira
Começou
a carreira timidamente, mas um dia teve um estalo e passou a jogar como que
inspirado pela luz divina. Seu estilo é lógico, mas também grandiloqüente. Às
vezes traça caminhos tortuosos, mas sempre chega ao seu objetivo. De todos os
convocados é o único Atleta de Cristo.
Médio
volante: Gregório
Um
bom cabeça-de-área tem que saber xingar a mãe do adversário de doze formas
diferentes. Gregório conhece 118. Não é à toa que o apelidaram de Boca do
Inferno. Perguntado sobre as violentas faltas que comete, diz que são para a
glória de Deus, pois, “quanto maior o meu pecar, maior a graça d’Ele em
perdoar”. Não raro, elabora firulas e gongorismos que surpreendem a torcida.
Meia-direita:
Mário
Um
ponta-de-lança tem que ser ao mesmo tempo clássico e inovador. Mário consegue
as duas coisas: sabe estudar o jogo e inventar lances com a mesma competência.
Pode-se dizer que é um clássico de vanguarda.
Meia-esquerda:
Machado
A
nobre camisa dez não poderia ser vestida por outro. Excelente nos lançamentos
em profundidade, é um especialista nos dribles sutis e no toque refinado.
Estranhamente, está sempre com um riso nos lábios. Não se sabe, contudo, se ri
dos inimigos, de si mesmo ou do público.
Ponta-direita:
Guimarães
É
um inventor. Guimarães cria dribles e ziguezagueia pelos campos gerais como
ninguém. Seus lances são inesperados, como se ele sempre tivesse que criar um
caminho próprio. Aprendeu tudo que sabe na várzea, mas seu jogo é universal.
Centroavante:
Oswald
Um
centroavante deve ser imprevisível, e imprevisibilidade é a única coisa
previsível em Oswald. Seu jogo é feito de toques curtos e dribles em pequenos
espaços. Tem um temperamento difícil e costuma polemizar com os adversários. É
um típico rompedor.
Ponta-esquerda:
Graciliano
Vindo
de Quebrângulo, Alagoas, este extrema-esquerda é dono de um estilo duro, sisudo
e seco. O torcedor sempre pode esperar dele um jogo consistente e seguro. Odeia
concentrações e pretende escrever um livro de memórias condenando essa prática.
Obs.:
Obviamente esta seleção de imortais conta apenas com jogadores defuntos, o que
deixou de fora vários nomes. Em meu banco de reservas estão Veríssimo, Ubaldo,
Millôr e Fonseca. São grandes atletas, mas desconfio que não têm muita pressa
em entrar nesse time.