Filósofos ajudam a jovem
e arrebatada Julieta a compreender sua paixão
Lições de amor para iniciantes
ALAIN DE BOTTON
Como a filosofia lhe pode ser útil
quando você se apaixona? Imaginemos uma alma arrebatada pelo amor, Julieta , no
auge da agonia, do êxtase e da confusão, implorando conselhos a algum dos
grandes filósofos do amor.
Julieta - Será mesmo que os filósofos podem
me ajudar a compreender minha paixão? Mal consigo ler um livro, não paro de
pensar nos olhos de Romeu.
Resposta - O livro mais famoso sobre o amor é
"O Banquete", de Platão (428/27-347 a.C.); e o bom é que ele só tem
80 páginas.
Julieta - O senhor pode me contar a trama?
Resposta - Trata-se de um banquete durante o
qual alguns antigos atenienses tentam explicar por que o amor exerce tanto
poder sobre nós. Um dos convidados, Aristófanes, lembra que, quando amamos uma
pessoa, ela nos parece familiar, como se já a conhecêssemos antes, talvez numa
vida pregressa ou em nossos sonhos. Segundo ele, a pessoa amada é nossa
"outra metade" há muito perdida, a cujo corpo estávamos originalmente
ligados. Todos os seres humanos foram criados como hermafroditas, com costas e
flancos duplos, quatro mãos e quatro pernas e dois rostos virados em direções
opostas na mesma cabeça. Esses hermafroditas eram tão poderosos, seu orgulho
tão devastador, que Zeus foi forçado a cortá-los em dois, numa metade masculina
e outra feminina e desde esse dia todos almejam se reunir à metade de que foram
separados.
Julieta - E o que os outros convidados
disseram sobre isso?
Resposta - Bem, Sócrates era quem mais falava,
e ele expôs uma teoria que ficaria conhecida como "amor platônico".
Quando somos jovens e ignorantes em filosofia, ele disse, tendemos a nos
apaixonar por pessoas fisicamente atraentes, com quem queremos dividir a cama.
Infelizmente, essa não é uma forma muito pura ou nobre para Sócrates, embora
com o devido aconselhamento possamos chegar a ver que a beleza específica de um
corpo é somente um exemplo da beleza dos corpos em geral. Quando nos damos
conta disso, nossa fixação maníaca por um corpo em particular diminui e
passamos a amar a beleza onde quer que ela se encontre. Somos capazes de
aprender que a beleza da alma é muito mais valiosa do que a beleza física. É a
partir daí que passamos a apreciar a beleza da ciência e a da filosofia,
chegando por fim a apreciar a beleza da beleza. Para Sócrates, o amor começa
com a paixão por um corpo atraente e termina no amor pela beleza absoluta.
Julieta - Então o verdadeiro amor não envolve
sexo?
Resposta - O desejo sexual não é irrelevante
para o amor, mas é uma versão de qualidade inferior do amor sublime que
descobrimos quando abandonamos nossos desejos físicos - uma visão que encontrou
abrigo junto aos pensadores do cristianismo primitivo e que explica os
tradicionais problemas do Ocidente com o corpo.
Julieta - Por que os filósofos são sempre tão
puritanos?
Resposta - Não é bem assim. Para Schopenhauer
(1788-1860), por exemplo, "o sentimento amoroso radica exclusivamente no
impulso sexual". O amor é apenas um nome inventado que damos a um impulso
de reprodução da espécie. "(O amante) imagina que se esforça e se
sacrifica por seu próprio prazer, mas tudo o que faz, na verdade, é guiado pela
reprodução da espécie."
Julieta - Mas isso faz a paixão parecer
trivial e rasteira.
Resposta - Nem tanto; aos olhos de
Schopenhauer, nada podia ser mais importante. "(O amor) é digno da
profunda seriedade com que todos o buscam; ele decide nada menos do que o
substrato da nova geração." Em sua obra máxima, "O Mundo como Vontade
e Representação" (infelizmente bem mais longa do que "O
Banquete"), Schopenhauer explica por que o amor é um tema eterno: "(O
amor) é o objetivo último de quase toda a preocupação humana; é por isso que
ele influencia nos assuntos mais relevantes, interrompe as tarefas mais sérias
e por vezes desorienta as cabeças mais geniais. Ele não hesita em interferir
nas negociações dos homens de Estado e nas investigações dos sábios. Ele sabe
como insinuar seus bilhetes de amor e seus anéis de cabelo nas pastas
ministeriais e nos manuscritos filosóficos".
Julieta - Podemos ser felizes no amor? Alguma
vez os filósofos foram otimistas quanto a isso?
Resposta - O impulso para o pensamento
raramente atinge os satisfeitos, portanto a resposta é não. Veja Nietzsche
(1844-1900), para quem o amor era uma guerra: "O amor é o ódio mortal dos
sexos".
Julieta - Por quê?
Resposta - Porque "o homem quer o poder
incondicional sobre a alma e o corpo da mulher". Além disso, Friedrich
achava que "a vontade de reinar é a marca dos homens mais sensuais".
A seu ver, as mulheres desejam apenas "pertencer" a um homem viril.
"O que uma mulher entende por amor é uma dádiva total do corpo e da alma,
sem reservas."
Julieta - Um assunto não muito indicado para
o primeiro encontro, não é?
Resposta - Ele não é o único que tem essa
visão sombria. As coisas só pioram se passamos a Jean-Paul Sartre (1905-80),
para quem o amor é um "ideal irrealizável". E isso porque queremos
algo impossível das pessoas que amamos: somos atraídos pela liberdade e
independência que detectamos nelas. E, no entanto, ficamos tão apavorados que
tentamos privá-las desses atributos quando estabelecemos uma relação amorosa.
Ou, como diz Sartre, "o amante quer ser amado pela liberdade, mas exige
que essa liberdade, como liberdade, não seja mais livre".
Julieta - Mas então ninguém lembra que
queremos ser afáveis, generosos e bons quando amamos uma pessoa?
Resposta - Immanuel Kant (1724-1804) notou
isso, mas ele não achava que os amantes fossem sempre morais. Ele distingue o
amor "prático" do amor "patológico". O amor prático seria
uma disposição racional de agir de modo benévolo com quem precisa, independentemente
de qualquer relação que possamos ter com eles. Amor patológico, por sua vez, é
uma inclinação para ajudar a quem amamos, por razões bastante irracionais,
porque as desejamos sexualmente. Atos de amor patológico provêm de paixões
volúveis e não de uma apreciação racional do que seja certo fazer. É por isso
que eles carecem, segundo Kant, da dignidade ética que possuem os atos de amor
prático.
Julieta - Meus Deus! Será que algum filósofo
disse algo positivo sobre o amor?
Resposta - Talvez a visão mais amena seja a de
Aristóteles (384-322 a.C.), que nunca escreveu especificamente sobre o amor,
mas sobre a amizade. Ele achava que uma boa amizade, na qual duas pessoas se
unem no amor pela verdade, era o que podia haver de melhor.
Julieta - Não há dúvida; a propósito, onde está
meu Romeu?
(Folha de S. Paulo.
Caderno Mais! P. 5. 14 de Fevereiro de 1999)
Alain
de Botton é escritor britânico de origem suíça. Escreveu, entre outros,
"Ensaios de Amor" (Rocco).