terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Fixador de Instantes (fragmento) de Mário de Sá-Carneiro

O Fixador de Instantes (fragmento) de Mário de Sá-Carneiro

O Instante! O Instante!
Não sei como os outros que desconhecem o meu segredo, a minha arte, podem viver da vida. Não sei.
Eu morria de saudade quando uma noite de quimera venci, realmente venci à força de ânsia, achando a mais bela das artes perdidas. Porque eu não creio ter descoberto a minha arte. Apenas a reedifiquei. Foi uma reminiscência longínqua — donde, ignoro — de muito longe, de além-sonho talvez, que me ensinou o segredo.
Acordei-o, não o fui. E tenho, é bem certo — posso gritar — tenho nas minhas mãos a vida que a todos, aos mais felizes, aos mais ricos, esguiamente foge, se desfaz sem remédio dor após dor.
Viver momentos radiosos, ter corpos áureos, bocas imperiais, e a glória ungir-nos em auréolas que ascendem — é isso ser feliz? Mentira! Pois tudo passa, esvoa tão rápido como o tempo. E sofremos da saudade: da saudade do que foi, a menos cruel porque já passou, da saudade do futuro — que desconhecemos — da saudade do presente, que sentimos bem o que é, e por isso se nos torna a mais contorcida de angústia.
O homem felicíssimo, em verdade, é um pobre recebedor de contas pelas mãos do qual, diàriamente, milhões se precipitam e que no entanto vê os seus filhos morrerem à fome. Assim por entre os dedos do homem venturoso a beleza caminha, é certo, mas não permanece; minuto a minuto se esgueira em rodopio alucinante. E mesmo que a beleza volte, se esse homem tiver alma, for um artista, os olhos de sombra se lhe marejarão de lágrimas — saudoso do que passou e não mais tornará, só porque já foi.
A vida, sim, a vida é uma estrela encantada e multicolor da lanterna-mágica da minha infância. No lençol que estendíamos e sobre o qual o meteoro fantástico se projectava inconstante, golfando novas formas, novas cores, eu, não podendo crer na sua mentira, enclavinhava as minhas mãos fascinadas, tentando embalde fixar sobre o pano, palpar, entrelaçar a maravilha que vertiginosamente se escoava, e era só luz a tingir-me os dedos, luz movediça — ilusão desfeita...

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