O Fixador de Instantes (fragmento) de Mário de Sá-Carneiro
O Instante! O Instante!
Não sei como os outros que desconhecem o meu segredo, a minha arte, podem viver da vida. Não sei.
Eu morria de saudade quando uma noite
de quimera venci, realmente venci à força de ânsia, achando a mais bela
das artes perdidas. Porque eu não creio ter descoberto a minha arte.
Apenas a reedifiquei. Foi uma reminiscência longínqua — donde, ignoro —
de muito longe, de além-sonho talvez, que me ensinou o segredo.
Acordei-o, não o fui. E tenho, é bem certo — posso gritar — tenho nas
minhas mãos a vida que a todos, aos mais felizes, aos mais ricos,
esguiamente foge, se desfaz sem remédio dor após dor.
Viver momentos
radiosos, ter corpos áureos, bocas imperiais, e a glória ungir-nos em
auréolas que ascendem — é isso ser feliz? Mentira! Pois tudo passa,
esvoa tão rápido como o tempo. E sofremos da saudade: da saudade do que
foi, a menos cruel porque já passou, da saudade do futuro — que
desconhecemos — da saudade do presente, que sentimos bem o que é, e por
isso se nos torna a mais contorcida de angústia.
O homem
felicíssimo, em verdade, é um pobre recebedor de contas pelas mãos do
qual, diàriamente, milhões se precipitam e que no entanto vê os seus
filhos morrerem à fome. Assim por entre os dedos do homem venturoso a
beleza caminha, é certo, mas não permanece; minuto a minuto se esgueira
em rodopio alucinante. E mesmo que a beleza volte, se esse homem tiver
alma, for um artista, os olhos de sombra se lhe marejarão de lágrimas —
saudoso do que passou e não mais tornará, só porque já foi.
A vida,
sim, a vida é uma estrela encantada e multicolor da lanterna-mágica da
minha infância. No lençol que estendíamos e sobre o qual o meteoro
fantástico se projectava inconstante, golfando novas formas, novas
cores, eu, não podendo crer na sua mentira, enclavinhava as minhas mãos
fascinadas, tentando embalde fixar sobre o pano, palpar, entrelaçar a
maravilha que vertiginosamente se escoava, e era só luz a tingir-me os
dedos, luz movediça — ilusão desfeita...
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