sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Lições de amor para iniciantes - ALAIN DE BOTTON



Filósofos ajudam a jovem e arrebatada Julieta a compreender sua paixão

 


Lições de amor para iniciantes


ALAIN DE BOTTON

Como a filosofia lhe pode ser útil quando você se apaixona? Imaginemos uma alma arrebatada pelo amor, Julieta , no auge da agonia, do êxtase e da confusão, implorando conselhos a algum dos grandes filósofos do amor.

Julieta - Será mesmo que os filósofos podem me ajudar a compreender minha paixão? Mal consigo ler um livro, não paro de pensar nos olhos de Romeu.

Resposta - O livro mais famoso sobre o amor é "O Banquete", de Platão (428/27-347 a.C.); e o bom é que ele só tem 80 páginas.

Julieta - O senhor pode me contar a trama?

Resposta - Trata-se de um banquete durante o qual alguns antigos atenienses tentam explicar por que o amor exerce tanto poder sobre nós. Um dos convidados, Aristófanes, lembra que, quando amamos uma pessoa, ela nos parece familiar, como se já a conhecêssemos antes, talvez numa vida pregressa ou em nossos sonhos. Segundo ele, a pessoa amada é nossa "outra metade" há muito perdida, a cujo corpo estávamos originalmente ligados. Todos os seres humanos foram criados como hermafroditas, com costas e flancos duplos, quatro mãos e quatro pernas e dois rostos virados em direções opostas na mesma cabeça. Esses hermafroditas eram tão poderosos, seu orgulho tão devastador, que Zeus foi forçado a cortá-los em dois, numa metade masculina e outra feminina e desde esse dia todos almejam se reunir à metade de que foram separados.

Julieta - E o que os outros convidados disseram sobre isso?

Resposta - Bem, Sócrates era quem mais falava, e ele expôs uma teoria que ficaria conhecida como "amor platônico". Quando somos jovens e ignorantes em filosofia, ele disse, tendemos a nos apaixonar por pessoas fisicamente atraentes, com quem queremos dividir a cama. Infelizmente, essa não é uma forma muito pura ou nobre para Sócrates, embora com o devido aconselhamento possamos chegar a ver que a beleza específica de um corpo é somente um exemplo da beleza dos corpos em geral. Quando nos damos conta disso, nossa fixação maníaca por um corpo em particular diminui e passamos a amar a beleza onde quer que ela se encontre. Somos capazes de aprender que a beleza da alma é muito mais valiosa do que a beleza física. É a partir daí que passamos a apreciar a beleza da ciência e a da filosofia, chegando por fim a apreciar a beleza da beleza. Para Sócrates, o amor começa com a paixão por um corpo atraente e termina no amor pela beleza absoluta.

Julieta - Então o verdadeiro amor não envolve sexo?

Resposta - O desejo sexual não é irrelevante para o amor, mas é uma versão de qualidade inferior do amor sublime que descobrimos quando abandonamos nossos desejos físicos - uma visão que encontrou abrigo junto aos pensadores do cristianismo primitivo e que explica os tradicionais problemas do Ocidente com o corpo.

Julieta - Por que os filósofos são sempre tão puritanos?

Resposta - Não é bem assim. Para Schopenhauer (1788-1860), por exemplo, "o sentimento amoroso radica exclusivamente no impulso sexual". O amor é apenas um nome inventado que damos a um impulso de reprodução da espécie. "(O amante) imagina que se esforça e se sacrifica por seu próprio prazer, mas tudo o que faz, na verdade, é guiado pela reprodução da espécie."

Julieta - Mas isso faz a paixão parecer trivial e rasteira.

Resposta - Nem tanto; aos olhos de Schopenhauer, nada podia ser mais importante. "(O amor) é digno da profunda seriedade com que todos o buscam; ele decide nada menos do que o substrato da nova geração." Em sua obra máxima, "O Mundo como Vontade e Representação" (infelizmente bem mais longa do que "O Banquete"), Schopenhauer explica por que o amor é um tema eterno: "(O amor) é o objetivo último de quase toda a preocupação humana; é por isso que ele influencia nos assuntos mais relevantes, interrompe as tarefas mais sérias e por vezes desorienta as cabeças mais geniais. Ele não hesita em interferir nas negociações dos homens de Estado e nas investigações dos sábios. Ele sabe como insinuar seus bilhetes de amor e seus anéis de cabelo nas pastas ministeriais e nos manuscritos filosóficos".

Julieta - Podemos ser felizes no amor? Alguma vez os filósofos foram otimistas quanto a isso?

Resposta - O impulso para o pensamento raramente atinge os satisfeitos, portanto a resposta é não. Veja Nietzsche (1844-1900), para quem o amor era uma guerra: "O amor é o ódio mortal dos sexos".

Julieta - Por quê?

Resposta - Porque "o homem quer o poder incondicional sobre a alma e o corpo da mulher". Além disso, Friedrich achava que "a vontade de reinar é a marca dos homens mais sensuais". A seu ver, as mulheres desejam apenas "pertencer" a um homem viril. "O que uma mulher entende por amor é uma dádiva total do corpo e da alma, sem reservas."

Julieta - Um assunto não muito indicado para o primeiro encontro, não é?

Resposta - Ele não é o único que tem essa visão sombria. As coisas só pioram se passamos a Jean-Paul Sartre (1905-80), para quem o amor é um "ideal irrealizável". E isso porque queremos algo impossível das pessoas que amamos: somos atraídos pela liberdade e independência que detectamos nelas. E, no entanto, ficamos tão apavorados que tentamos privá-las desses atributos quando estabelecemos uma relação amorosa. Ou, como diz Sartre, "o amante quer ser amado pela liberdade, mas exige que essa liberdade, como liberdade, não seja mais livre".

Julieta - Mas então ninguém lembra que queremos ser afáveis, generosos e bons quando amamos uma pessoa?

Resposta - Immanuel Kant (1724-1804) notou isso, mas ele não achava que os amantes fossem sempre morais. Ele distingue o amor "prático" do amor "patológico". O amor prático seria uma disposição racional de agir de modo benévolo com quem precisa, independentemente de qualquer relação que possamos ter com eles. Amor patológico, por sua vez, é uma inclinação para ajudar a quem amamos, por razões bastante irracionais, porque as desejamos sexualmente. Atos de amor patológico provêm de paixões volúveis e não de uma apreciação racional do que seja certo fazer. É por isso que eles carecem, segundo Kant, da dignidade ética que possuem os atos de amor prático.

Julieta - Meus Deus! Será que algum filósofo disse algo positivo sobre o amor?

Resposta - Talvez a visão mais amena seja a de Aristóteles (384-322 a.C.), que nunca escreveu especificamente sobre o amor, mas sobre a amizade. Ele achava que uma boa amizade, na qual duas pessoas se unem no amor pela verdade, era o que podia haver de melhor.

Julieta - Não há dúvida; a propósito, onde está meu Romeu?

 

(Folha de S. Paulo. Caderno Mais!  P. 5. 14 de Fevereiro de 1999)

Alain de Botton é escritor britânico de origem suíça. Escreveu, entre outros, "Ensaios de Amor" (Rocco).

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