“ – Nunca amei, nunca
senti por uma mulher uma destas paixões únicas, dominadoras, exclusivas, a que
se sacrifica tudo; mas às vezes tenho pensado nisto e julgo haver concebido o
que seria para mim o amor , se o sentisse. Se eu um dia amasse, parece-me que
procuraria esconder de todos os olhos essa paixão; desejaria que ninguém ma
suspeitasse nem por uma palavra, nem por um gesto, nem por um olhar. Ouvir
estranhos falar sequer na mulher que eu amasse ferir-me-ia como uma profanação.
Não escolheria confidentes, a ninguém revelaria esse segredo da minha alma. A
mais alta, a mais casta voluptuosidade, que me produziria este amor seria o
poder dizer, quando estivesse só: “Ninguém no mundo sabe, ninguém suspeita este
mistério do meu coração, senão ela.”
Para ela só, para essa mulher que eu amasse quereria reservar todas as
manifestações dos meus sentimentos, as mais sérias e as mais pueris,
pertenciam-lhe; e permitir que outros as percebessem era profanar o culto. Só
com ela, sim, todas as reservas acabavam; então no gesto, na palavra, no olhar
revelaria inteira a minha alma, sem mistério nem discrição. Aspiraria assim
nesses instantes todo o suave e delicado perfume do amor. Que o mundo, ao
ver-me frio e concentrado, pensasse: “Aí está um homem de gelo, este não sabe
amar”, e que ela só pudesse dizer: “Oh! Eu é que sei de que extremos é capaz
aquele amor que ninguém suspeita.”
(DINIS, Júlio. Os fidalgos da casa mourisca)
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